Apesar de se destacar entre outras fontes renováveis, mercado fotovoltaico ainda pode evoluir no quesito da participação feminina
A atuação feminina no mercado de trabalho é uma ferramenta essencial para alcançar as metas trazidas pelo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) nº 5, a Igualdade de Gênero. Essa igualdade é um direito humano intrínseco e um objetivo central do desenvolvimento, além de ser também um instrumento para alcançá-lo.
No âmbito da transição energética, incluir a participação, experiências e vozes das mulheres permite o compartilhamento de pontos de vista, experiências e conhecimentos diversificados e criativos para contribuir na construção de soluções sustentáveis. Dentro das empresas, o eixo social das práticas ESG (ambiental, social e governança) está diretamente ligado à questão da igualdade de gênero, sendo a participação feminina e o seu devido reconhecimento formas de implementar essa cultura.
Participação feminina no mercado fotovoltaico global
A Agência Internacional para as Energias Renováveis (IRENA), em seu relatório “Solar Fotovoltaica: Uma Perspectiva de Gênero”, publicado em setembro de 2022, traz dados importantes acerca da atuação das mulheres no mercado solar fotovoltaico pelo mundo, seus principais desafios e reflexões.
O relatório aponta que a indústria solar fotovoltaica é a maior empregadora no setor de energia renovável, atingindo em torno de 14 milhões de empregos até 2030 – 37% do total para o setor de renováveis. Atualmente, dentro dessa indústria, a parcela de mulheres trabalhando em tempo integral é de 40%. Se por um lado essa porcentagem representa a maior participação feminina em qualquer subsetor de energia renovável analisado pela Agência, por outro ainda continua abaixo da média de mulheres atuantes na economia global, estimada em 45,9% pela Organização Internacional do Trabalho.
Ao analisar a cadeia produtiva, o setor de fabricação de componentes é o que mais emprega mulheres, com 47% de participação feminina. Por outro lado, mulheres que atuam diretamente na área de instalação dos sistemas fotovoltaicos representam apenas 12% do total.
Especificamente acerca dos cargos, a maioria das mulheres atua no setor administrativo, onde representam 58% da força de trabalho. A participação feminina nos cargos técnicos, classificados pela IRENA como funções de “ciência, tecnologia, engenharia e matemática”, é menor: apenas 32% do total.
Analisando os cargos de liderança, a desigualdade de gênero se torna mais evidente. As mulheres ocupam 30% dos cargos gerenciais e apenas 13% dos cargos de gerência sênior na indústria de energia solar fotovoltaica.
Atuação das mulheres entre as empresas de integração no Brasil
O Estudo Estratégico de Geração Distribuída acompanha a evolução da atuação feminina no mercado integrador por meio da Pesquisa GD, realizada com milhares de empresas de integração no Brasil.
A última edição do Estudo demonstrou que após dois anos de estabilidade, em 2020 e 2021, a representatividade de colaboradoras mulheres subiu de 21% para 24% nas empresas em 2022. Ainda assim, 6% dos respondentes declararam não ter nenhuma colaboradora mulher.
A maior parte das empresas respondentes, 43%, informou que as mulheres representam até 10% do quadro de colaboradores. Empresas com maior igualdade de gênero, onde possuem mulheres que representam entre 41% a 50% do quadro, fazem parte de apenas 9% dos respondentes. A porcentagem diminui à medida que a quantidade de mulheres é maior: somente 4,4% dos respondentes são empresas em que mulheres são a maioria dos funcionários.
Corroborando com a visão internacional por parte da IRENA, o Estudo GD apontou que a área administrativa continua com o maior número de mulheres atuantes nas empresas. Apesar da queda no ano de 2022, 48% das empresas citaram que o maior número de mulheres atua em cargos administrativos, financeiros ou ligados aos recursos humanos. Já as áreas com cargos técnicos foram citadas por 8% das empresas em 2022, e vem apresentando queda nos últimos anos, passando de 15% em 2020 para 9% em 2021.
Barreiras enfrentadas e reflexões
As mulheres enfrentam barreiras antes mesmo da entrada no mercado e que vão se modificando ao longo da carreira. A ausência de políticas justas e transparentes, além de normas culturais e sociais enraizadas e que moldam o comportamento cotidiano são as dificuldades mais proeminentes citadas pelas mulheres.
De acordo com o relatório da Agência Internacional para as Energias Renováveis, os homens parecem perceber menos barreiras relacionadas ao gênero do que as mulheres. Tendo em vista que quando os homens não compreendem totalmente os desafios que as mulheres enfrentam em suas carreiras, eles possivelmente se comprometem menos a lutar pela equidade de gênero.
Ainda na fase da busca por oportunidades no mercado, em alguns casos, as mulheres citam ao relatório que costumam ter a percepção interna de que não são adequadas para um papel simplesmente porque são mulheres. Em outras ocasiões, a cultura da organização também pode ser percebida como hostil ou desconfortável para a presença feminina.
Além disso, barreiras também são impostas para que tais mulheres permaneçam em seus cargos. De acordo com o relatório, tendo em vista que mães são mais prováveis do que os homens a serem responsáveis pela maioria das tarefas domésticas e cuidados com os filhos, a ausência de creches próximas ao local de trabalho e a falta de flexibilidade de horários são os fatores de dificuldade mais citados.
Barreiras para a progressão de carreira das participantes femininas também foram destacadas no relatório. As mulheres, além de serem mais propensas a assumir papéis que oferecem menos perspectivas de avanço, frequentemente enfrentam uma maior probabilidade de microagressões do que os homens, tais como a fala sendo interrompida ou posta em dúvida, trazendo questionamentos quanto à sua competência, principalmente quando atuam em cargos de liderança.
Ademais, outro ponto enfrentado pelo gênero feminino é a baixa remuneração perante aos homens. Isso ocorre devido às mulheres terem maiores oportunidades em empregos que naturalmente possuem menor remuneração ou também porque atuam em locais que geralmente pagam menos a elas do que é pago aos homens que realizam tarefas semelhantes ou até idênticas. Como forma comparativa, após a diferença diminuir ao longo dos anos, as mulheres voltaram a ganhar, em média, 22% a menos que homens no Brasil, de acordo com dados levantados pelo IBGE ao fim de 2022.
Algumas reflexões podem ser feitas diante das problemáticas enfrentadas pela população feminina dentro das empresas do setor fotovoltaico. Abordar essas questões complexas exigirá aumentar a conscientização sobre gênero; melhorar as políticas nacionais; estabelecer melhores práticas, políticas e regulamentos no local de trabalho; além de investir em treinamento e orientação dos colegas de trabalho e da sociedade como um todo.
O setor deve não somente considerar as mulheres para a sua necessidade de contratação, mas também criar um ambiente atraente para elas. Oferecer remuneração digna e benefícios adequados é o primeiro passo para atrair talentos femininos para o setor.
Além disso, a presença feminina no quadro de colaboradores de uma empresa pode trazer equipes mais detalhistas, organizadas e analíticas, além de melhorar a comunicação interna. Lideranças femininas podem também lidar melhor em momentos de pressão e trazer resoluções de problemas de forma mais criativa. Dessa forma, além de implantar uma cultura mais consciente diante dessa desigualdade, as organizações podem obter melhores resultados.
Melhorar a representatividade das mulheres na energia solar fotovoltaica precisa fazer parte de um objetivo mais amplo: diversificar a força de trabalho como um todo para incluir a visão, os talentos e as habilidades de todos. Isso significa a inclusão não apenas de mulheres, mas também de todos os outros grupos minoritários. Uma melhor cultura organizacional, focada nos aspectos ESG, melhor engajamento e retenção de funcionários depende diretamente dessas ações.
Referências:
GREENER. Estudo Estratégico de Geração Distribuída. Disponível em: https://www.greener.com.br/sumario-executivo-estudo-de-geracao-distribuida-2023-2o-sem-2022/.
IRENA (2022), Solar PV: A gender perspective, International Renewable Energy Agency, Abu Dhabi.