Além de recente Leilão da Transmissão, Dia do Perdão surge como tentativa do setor em organizar prioridades de conexão
A crescente expansão da geração renovável tem trazido, em todo mundo, um desafio no que diz respeito à capacidade de escoamento de energia. No Brasil, grande parte da necessidade de investimentos nessas redes vem do aumento da geração de energia advinda de usinas solares e eólicas, o que requer adequação da infraestrutura para possibilitar o escoamento da energia.
Somado a isso, que já seria uma tendência natural visto o contexto atual da transição energética, o fim gradual dos descontos nas Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e de Distribuição (TUSD) para usinas de fontes renováveis, trazido pela Lei nº 14.120/2021, aumentou significativamente o número de solicitações de outorgas e pedidos de Parecer de Acesso para conexão ao sistema.
O fim do incentivo provocou uma corrida por parte de investidores e desenvolvedores pela obtenção de outorga com a finalidade de garantir o direito ao desconto. Esse período de transição ficou conhecido informalmente no setor como “Corrida do Ouro” e teve como resultado uma fila de projetos para serem conectados à Rede Básica.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a capacidade de projetos solares outorgados alcançou até o presente momento, julho de 2023, 126 GW, sendo que 116,4 GW (92%) ainda não estão em operação. Projetos da ordem de quase 110 GW nem sequer iniciaram suas construções.
Leilão nº 001/2023 e o desafio Geração x Transmissão
Como uma das soluções estruturais de escoamento de energia, a ANEEL realizou no dia 30 de junho o Leilão de Transmissão nº 001/2023, onde foram negociados com um deságio médio de 53% e investimentos de R$15,3 bilhões, nove lotes para a construção de 6.184 km de linhas de transmissão e 400 MVA em capacidade de transformação para subestações. Serão contemplados 7 estados com as obras: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro, São Paulo e Sergipe.
Tão logo essas infraestruturas entrem em operação, elas contribuirão para atender a expansão da oferta de geração de energia renovável. Os lotes licitados contam com diferentes prazos de implantação e conforme a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) todas as obras deverão estar prontas até a data limite de março de 2029.
No entanto, é relevante ressaltar que existe uma discrepância entre a entrada em operação de empreendimentos de geração e de transmissão: usinas renováveis possuem prazo de implantação mais rápido do que as estruturas de transmissão.
E se o tempo é uma variável importante na viabilidade de projetos, para os empreendimentos renováveis que buscam o incentivo tarifário o cronograma torna-se ainda mais relevante. Todos os projetos que formalizaram o requerimento de outorga junto à ANEEL até a data limite a fim de garantir o benefício do desconto têm um prazo de até 54 meses, a partir da data da outorga, para iniciar a operação comercial de todas as unidades geradoras.
Porém, o que se vê atualmente é uma malha de transmissão que não tem a capacidade de suportar todos esses projetos. Para se ter uma ideia, de acordo com o exposto pela ANEEL, historicamente, entram em operação anualmente no Brasil cerca de 8 GW de capacidade instalada adicional de geração. Ou seja, se todas as usinas solares outorgadas estivessem prontas para entrar em operação dentro do prazo, seria necessário comprimir praticamente 14,5 anos de expansão em apenas 4,5 anos.
Na prática, têm-se uma fila de acessos formada por geradores com o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) assinado, mas que não têm previsão de executar os seus projetos e por geradores com negócios viáveis, mas que não conseguem acesso à rede.
Neste cenário, observou-se a necessidade de “organizar a fila” de acesso à Rede Básica, para que projetos viáveis, com capacidade de construção e entrada em operação não sejam prejudicados por projetos com pouca viabilidade.
O Dia do Perdão e os empreendimentos que aguardam conexão
Como mencionado anteriormente, a “Corrida do Ouro”, discutida também no Greener Insight “Os Desafios no Acesso à Transmissão”, teve como resultado a formação de uma fila de geradores que celebraram o CUST, mas nem todos os projetos com potencial de serem executados.
Dado o exposto, como medida de enfrentamento de inadimplências, ações judiciais para suspender o pagamento dos Encargos de Uso do SIstema de Transmissão (EUST) e competição por ponto de conexão à rede, a ANEEL propôs a criação de um mecanismo regulatório excepcional e com adesão voluntária.
Tal mecanismo consiste em uma “rescisão amigável” dos CUST e a revogação das outorgas, sem execução de garantias ou aplicação de multas rescisórias. Esse mecanismo ficou popularmente conhecido no setor como “Dia do Perdão” ou “Dia da Anistia”.
Entre os requisitos necessários para o gerador aderir ao mecanismo, destacam-se:
- Notificação à Transmissora, com reconhecimento dos pagamentos das medições dos Contratos de Conexão (CCT);
- Ausência de débitos de EUST;
- Renúncia a qualquer discussão judicial sobre os contratos celebrados.
Inicialmente, a ANEEL indicou cerca de 17,7 GW de projetos como o montante esperado de possível descontratação por rescisão.
Como resultado da Consulta Pública nº 15/2023, que colheu subsídios de diversos órgãos do setor, a ANEEL apresentou os números do cadastro de intenção de adesão ao mecanismo junto ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). De acordo com o Operador, 292 centrais geradoras registraram a intenção de aderir ao mecanismo regulatório, o que representa um MUST de 11,78 GW passíveis à descontratação.
Durante a Reunião Pública Ordinária (RPO) do dia 11 de julho, a ANEEL decidiu aprovar esse tratamento excepcional das outorgas e dos contratos por meio da publicação da Resolução Normativa (REN) 1.065/2023. A fim de rescindir CUST celebrados, com devolução de garantias e isenção de multas e penalidades, os agentes interessados devem, até 28 de julho, manifestar interesse por meio do envio do Termo de Declaração e Outras Avenças ao ONS.
Tendo em vista que muitos empreendimentos já pagavam EUST mesmo sem obras iniciadas ou concluídas, a Agência decidiu também pela “regularização” da situação de centrais geradoras com CUST em vigor ou para execução futura. Dessa forma, o cronograma de implantação desses projetos foi postergado por 36 meses a partir da data de publicação da REN.
A ANEEL apontou ainda que os contratos de execução futura ocupam 23,9 GW em margem de escoamento, sendo que desse montante quase 19 GW são de empreendimentos que ainda não saíram do papel.
Espera-se, dessa forma, que com a participação dos empreendimentos no mecanismo excepcional, seja através da “anistia” ou da “regularização”, a fila de acesso à transmissão seja mais realista e libere margem para empreendimentos viáveis.
Empreendedores de olho em propostas atuais e iniciativas futuras
O esgotamento do sistema de transmissão é um fator de risco para os investidores de usinas solares, que desejam escoar a energia gerada aos centros de consumo. A espera na fila de acessos poderia inviabilizar empreendimentos rentáveis, uma vez que o horizonte de tempo considerado nas análises econômicas e financeiras deve ser respeitado.
Muitos empreendimentos possuem parecer de acesso, mas condicionado à disponibilidade futura de margem de escoamento, enquanto outros, já com o Contrato de Uso do Sistema de Transmissão (CUST) assinado, possuem restrições operativas, trazendo incertezas acerca da viabilidade do empreendimento.
O recente Leilão de Transmissão nº 001/2023 segue o planejamento da expansão do sistema e traz boas expectativas para o aumento da capacidade de escoamento, principalmente em regiões mais críticas como o norte de Minas Gerais e o estado da Bahia. Porém, tendo em vista o tempo de execução das obras, outras ações em paralelo são importantes para aliviar a fila de projetos que desejam se conectar à Rede Básica.
Nesse intuito, o mecanismo de tratamento excepcional na gestão de outorgas de geração e dos CUST poderá impactar o mercado de Geração Centralizada, uma vez que proporciona condições que viabilizam a participação de geradores na rescisão consensual dos contratos e, consequentemente, tenta organizar a fila de modo em que projetos realmente viáveis tenham maiores condições de evoluir com suas conexões.
Por fim, é importante que os empreendedores acompanhem futuras iniciativas que podem melhorar a infraestrutura da Rede Básica, bem como proporcionar mudanças na escolha de projetos aptos à conexão. Entre eles, destacam-se o Leilão de Margem de Escoamento e os próximos Leilões de Transmissão.
Enquanto o primeiro objetiva leiloar barramentos passíveis de conexão por meio do Procedimento Competitivo por Margem (PCM), os próximos Leilões de Transmissão possuem previsão de acontecer em 15 de dezembro deste ano e em março de 2024. Somados ao Leilão nº 001/2023, a expectativa de investimento no setor ultrapassa os R$ 60 bilhões.
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