O Projeto de Lei (PL) nº 2.703/2022

Como as alterações nos prazos mobilizam as discussões no setor elétrico e a importância de se ouvir o mercado de GD fotovoltaica

Contexto Regulatório

O Poder Legislativo discute neste final de 2022 uma proposta de alteração regulatória que influencia diretamente o mercado solar fotovoltaico no Brasil. Trata-se do Projeto de Lei (PL) nº 2.703/2022, que propõe ampliar o prazo para a entrada em vigor das regras relacionadas ao Sistema de Compensação de Energia Elétrica (SCEE) definidas na Lei nº 14.300/2022, que instaurou o Marco Legal da GD no Brasil.

Publicada em 7 de janeiro, a Lei nº 14.300/2022 trouxe regras de transição para a compensação da energia injetada na rede de distribuição pelos sistemas de micro e minigeração distribuída (MMGD), que entrariam em vigor após doze meses.

Assim como explicado na Análise do Marco Legal da Geração Distribuída, os responsáveis pelos empreendimentos deveriam protocolar a solicitação de acesso à rede de distribuição até 7 de janeiro de 2023 a fim de que continuassem sendo regidos pela forma de compensação atual até 2045, o denominado direito adquirido. Os empreendimentos com solicitações protocoladas após essa data seriam abarcados pelas regras de transição.

Dessa forma, a depender da modalidade de compensação, partes da Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD), Taxa de Fiscalização dos Serviços de Energia Elétrica (TFSEE) e subsídios referentes à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) seriam pagas, assim como ilustrado abaixo.

 

Adequação às Novas Regras

A justificativa do PL nº 2.703/2022 se dá no fato de que a Lei nº 14.300/2022 exigia que as distribuidoras e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) adequassem seus regulamentos em até 180 dias após a sua publicação, ou seja, até 7 de julho de 2022 (PLANALTO, 2022). Porém, há um atraso nessa regulamentação e ela não deve ficar pronta até o início de 2023.

De acordo com o texto apresentado no Projeto de Lei, as concessionárias de distribuição não atualizaram suas normas (CÂMARA, 2022). Dessa forma, alguns solicitantes afirmam ter sua tentativa de conexão à rede indeferida ou até suspensa, com a justificativa das distribuidoras de que aguardam a regulamentação por parte da ANEEL.

Nos casos de indeferimentos sem motivação por parte das distribuidoras de energia elétrica, a ANEEL não teria competência para ampliar o prazo de acesso com o direito adquirido, tendo em vista que é algo estabelecido em lei. Os solicitantes são favoráveis ao PL nº 2.703, pois afirmam que um prazo maior na isenção seria necessário para a completude da regulamentação por parte da ANEEL e um maior amadurecimento e entendimento acerca das regras por parte do mercado.

Por outro lado, a ANEEL cita que os dispositivos da Lei nº 14.300/2022 são autoaplicáveis, não exigindo assim uma regulamentação complementar por parte da agência para a sua eficácia (ANEEL, 2022). Além disso, as distribuidoras citam os dados da agência para rebater o argumento da dificuldade no acesso das instalações, apontando que as reclamações protocoladas acerca do tema na ANEEL representam uma porcentagem muito baixa do total de usuários de GD. Segundo elas, o próprio crescimento exponencial da energia solar no país prova que não há dificuldades no acesso.

Ademais, distribuidoras e associações de consumidores se dizem preocupadas com os valores que seriam repassados aos consumidores no caso da aprovação do PL nº 2.703/2022. De acordo com a ANEEL, a depender do número de consumidores que aderirem à GD, esses valores podem aumentar ao longo dos próximos anos.

Subsídios no Setor de Energia Elétrica

Porém, o Subsidiômetro, ferramenta recente lançada pela ANEEL, aponta que até o início de dezembro, dos quase R$27 bi arrecadados como subsídios no Setor Elétrico Brasileiro em 2022, a Geração Distribuída foi responsável por R$2,5 bi (ANEEL, 2022). Logo, o gráfico abaixo aponta que os valores direcionados à GD foram responsáveis por menos de 10% do total.

Fonte: Aneel,2022

 

Além de a GD ser apenas a quarta maior responsável pelos subsídios arrecadados no setor elétrico, o gasto com essa modalidade de geração é de três a quatro vezes menor do que os valores destinados à Conta de Consumo de Combustíveis (CCC). A CCC é o encargo que subsidia os custos anuais de geração nos Sistemas Isolados, ou seja, de áreas não conectadas ao Sistema Interligado Nacional (SIN) (CCEE, 2022). Essa geração, assim como aponta o Operador Nacional do Sistema Elétrico, depende majoritariamente de termelétricas a óleo diesel (ONS, 2022). Assim, os gastos de quase R$9 bi são, em sua grande parte, direcionados à geração dependente de combustíveis fósseis, mais caros e poluentes.

Além disso, as associações defensoras do uso da energia solar fotovoltaica e da Geração Distribuída reforçam os benefícios econômicos, sociais e ambientais que a energia solar traz para o país. Afirmam também que o crescimento da GD deverá trazer mais de R$86,2 bi em benefícios sistêmicos ao setor elétrico, o que poderia reduzir a conta de luz de todos os consumidores em 5,6% até 2031 (CANAL ENERGIA, 2022).

Próximos Passos

As medidas previstas no PL nº 2.703/2022 apresentam oportunidades e desafios, assim como toda proposta no âmbito legislativo que contrapõe interesses de grupos diversos. O fato é que em 6 de dezembro o PL foi aprovado na Câmara dos Deputados com alterações em seu texto original. A proposta inicial previa uma ampliação de mais doze meses nos prazos para a entrada em vigor das regras de transição, enquanto o texto que vai ao Senado propõe seis meses de ampliação. Assim, se aprovado no Senado, o PL segue para sanção presidencial e ampliará até julho de 2023 o prazo para que micro e minigeradores de energia elétrica possam solicitar o acesso à rede sem que entrem na regra de transição.

Apesar do atraso para a regulamentação do tema, a ANEEL instituiu em novembro a Consulta Pública (CP) nº 51/2022 como parte do processo do desenvolvimento de Resoluções Normativas para regulamentar a Lei nº 14.300/2022. Como parte integrante do setor, a participação dos agentes do mercado solar fotovoltaico nessas discussões é fundamental.

Entre os documentos da CP, a agência reguladora cita que em casos de utilização irregular do SCEE, a distribuidora é responsável por julgar que não deveria ter sido autorizada a sua utilização, negando acesso aos empreendimentos ainda não conectados e interrompendo imediatamente aplicação do SCEE aos conectados. Apesar de reforçar o poder das concessionárias de distribuição, a ANEEL relembra as regras autoaplicáveis da Lei nº 14.300/2022, em que as distribuidoras já deveriam estar em conformidade.

Logo, o mercado de Geração Distribuída pode aproveitar essa Consulta Pública como forma de detalhar a sua realidade, apontando possíveis melhorias no regramento previsto na Lei nº 14.300/2022, além das dificuldades de acesso à rede de distribuição no caso de novos empreendimentos, caso existam. A Consulta Pública nº 51/2022 pode ser acessada aqui e as contribuições serão aceitas até 19 de dezembro de 2022.

Essa dificuldade no acesso já tinha sido relatada pelos participantes da Pesquisa GD Remota de 2022. Entre os desafios citados pelos respondentes da pesquisa, apesar de uma porcentagem menor comparada ao ano de 2020, a conexão à rede ainda era um problema para 48% das empresas entrevistadas.

Assim, outra forma de entender a realidade e adversidades do setor é a partir da participação dos integradores na Pesquisa GD do Mercado Solar referente ao 2º semestre de 2022. Além de dados acerca dos empreendimentos no âmbito de preços e eficiência, o contexto regulatório também está sendo analisado no intuito de auxiliar o integrador na tomada de decisões. Para entender o comportamento do mercado, além das expectativas, tendências e desafios para 2023, a participação desse público é fundamental. O questionário pode ser acessado neste link.

Portanto, é de suma importância que o mercado solar fotovoltaico esteja atento às possíveis mudanças trazidas pelo Poder Legislativo e suas consequências, e que também participe das discussões. É essencial atingirmos uma regulação madura e estável para que o país se torne um lugar ainda melhor para investimentos que impulsionem a transição energética.

 

Referências

ANEEL. Consulta 051/2022. 2022. Disponível em: https://antigo.aneel.gov.br/web/guest/consultas-publicas?p_auth=kbeQBUi1&p_p_id=participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet&p_p_lifecycle=1&p_p_state=normal&p_p_mode=view&p_p_col_id=column-2&p_p_col_pos=1&p_p_col_count=2&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_ideParticipacaoPublica=3723&_participacaopublica_WAR_participacaopublicaportlet_javax.portlet.action=visualizarParticipacaoPublica. Acesso em: 7 dez. 2022.

ANEEL. Subsidiômetro. 2022. Disponível em: https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiY2Q1YjdlZTEtMzQ2ZS00OTIyLThiODctZDY2NTRhMDFhMmFjIiwidCI6IjQwZDZmOWI4LWVjYTctNDZhMi05MmQ0LWVhNGU5YzAxNzBlMSIsImMiOjR9. Acesso em: 7 dez. 2022.

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 2.703/2022. 2022. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2212386. Acesso em: 7 dez. 2022.

CANAL ENERGIA. Proposta reacende polêmica sobre descontos para GD. 2022. Disponível em: https://www.canalenergia.com.br/noticias/53230726/proposta-reacende-polemica-sobre-descontos-para-gd?utm_source=Assinante+CanalEnergia&utm_campaign=2e36b1ea3c-PrincipaisSemana&utm_medium=email&utm_term=0_e9f71adea7-2e36b1ea3c-154844009. Acesso em: 7 dez. 2022.

CCEE. Conta de Consumo de Combustíveis. 2022. Disponível em: https://www.ccee.org.br/mercado/contas-setoriais/conta-consumo-de-combustiveis-ccc. Acesso em: 12 dez. 2022.

PLANALTO. Lei 14.300, de 6 de janeiro de 2022. 2022. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/lei/l14300.htm. Acesso em: 7 dez. 2022.

ONS. Plano Anual da Operação Energética dos Sistemas Isolados. 2022. Disponível em: https://www.ons.org.br/AcervoDigitalDocumentosEPublicacoes/Revista%20-%20PEN%20SISOL%202022.pdf. Acesso em: 12 dez. 2022.

Veja também:

Estudos Estratégicos